Tuesday, November 26, 2024

ENTUSIASMO ENERGIZADO Sub figura DCCCXI


ENTUSIASMO ENERGIZADO

Sub figura DCCCXI

A. · . A. · .

Publicação em Classe C.

Imprimatur: N. Fra. A. · . A. · .



UMA NOTA SOBRE TEURGIA

I

IAO, O Supremo Deus dos Gnósticos, o verdadeiro Deus, é o Senhor desta obra.

Invoquemo-Lo portanto, por aquele nome que os Companheiros da Arca Real

blasfemam, para que nos auxilie neste ensaio a declarar os meios que Ele nos deu!

II

A consciência divina que é refletida e refratada nas obras do Gênio se alimenta de

uma certa secreção, assim creio. Esta secreção é análoga ao sêmen, mas não

idêntica. Existem poucos homens, e um ainda mais raro número de mulheres (estas

invariavelmente andróginas), que possuem a qualquer tempo em qualquer

quantidade esta secreção.

Tão intimamente está esta secreção relacionada com a economia sexual orgânica

que me parece às vezes como se a secreção fosse um subproduto daquele

processo que gera o sêmen. Que alguma forma desta doutrina tem sido geralmente

aceita através dos tempos, é demonstrado pelas universais proibições religiosas.

Tem sido assumido que a santidade depende da castidade, e a castidade tem quase

sempre sido interpretada como abstenção. Mas eu duvido que a relação seja tão

simples; por exemplo, eu percebo em mim mesmo que manifestações de força

mental criadora sempre concorrem com alguma condição anormal dos poderes

fisiológicos de geração. Mas não ocorre que longos períodos de abstenção, por um

lado, ou excessos orgásticos, por outro, sejam favoráveis à manifestação de força

mental criadora, ou mesmo à sua formação.

Eu me conheço bem, e em mim essa força é extremamente intensa; seus resultados

são espantosos.

Por exemplo, eu escrevi Tannhäuser (Nota de M.: Poema dramático de A.C.; não

confundir com a ópera de Wagner.), completo de concepção a execução, em

sessenta e sete horas consecutivas. Durante esse tempo eu estive inconsciente da

sucessão de dias e noites, mesmo após ter parado; nem ocorreu nenhuma reação

de fadiga. Esta obra foi escrita quando eu tinha vinte e quatro anos de idade,

imediatamente após o término de uma orgia que normalmente me teria exaurido por

completo.

Mui frequentemente eu tenho notado que a assim-chamada satisfação sexual me

deixou insatisfeito e incansado, e desprendeu as torrentes de poesia que têm

desgraçado a minha carreira.

No entanto, por outro lado, um período de abstenção algumas vezes me fortificou

para um grande esforço; mas isto de forma alguma tem sido invariavelmente o caso.

À conclusão da expedição ao K2, após cinco meses de inatividade sexual, eu não

executei absolutamente trabalho algum, com exceção de umas poucas poesias

líricas esparsas; e isto durante meses após.

Eu posso mencionar o ano de 1911. Naquela época eu estava vivendo, em

excelente estado de saúde, com a mulher amada. A saúde dela era, no entanto,

variável, e nós estávamos ambos constantemente preocupados.

O tempo que fazia era continuamente belo e quente. Durante um período de

aproximadamente três meses eu não perdi quase que nenhuma manhã; sempre ao

acordar eu rebentava com uma nova idéia que tinha que ser assentada no papel.

A energia total de meu ser era muito alta. Meu peso era aproximadamente sessenta

e seis quilos, que fora meu peso de boxeador quando dez anos mais moço. Nós

caminhávamos a pé algumas vinte milhas diárias através de floresta de montanha.

O número de manuscritos produzido durante essa época é surpreendente; sua

variedade ainda mais; de sua excelência eu não falarei.

Eis aqui uma lista de memória; absolutamente não está completa:

1. Mais ou menos uma dúzia de livros de instruções da

A.·. A.·. , incluindo Liber Astarte, e o Templo do Rei Salomão para o Equinox VII.

2. Contos:

O Lenhador.

Seu Pecado Secreto.

3. Peças:

O Violinista do Rei.

O Venerável Eel.

Escritas uma atrás da outra, sem interrupção: Adonis, Os Ghuls.

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Mortadello.

4. Poemas:

O Sétuplo Sacramento.

Um Aniversário.

5. Fundamentos da Qabalah Grega (necessitando a coleção e análise de alguns

milhares de palavras).

Eu creio que este fenômeno é único na história da literatura.

Eu posso ainda referir-me à minha segunda viagem à Algéria, onde a minha vida

sexual, se bem que cheia, não havia sido satisfatória.

Deixando Biskra, eu estava tão cheio de idéias que tive que saltar do trem em

El-Kantara, onde eu escrevi "O Escorpião". Cinco ou seis poemas foram escritos no

caminho para Paris; "A Ordália de Ida Pendragon" durante minha estadia de vinte e

quatro horas em Paris, e "Tempestade de Neve" e "O Silêncio Elétrico"

imediatamente ao meu retorno à Inglaterra.

Para resumir, eu posso sempre traçar uma conexão entre minha condição sexual e a

condição de criação artística; uma conexão que é íntima ao ponto de ser quase uma

identidade, e no entanto ao mesmo tempo tão distante que eu não posso predicar

uma única proposição importante sobre o assunto.

São estas considerações que me entristecem quando sou censurado pelos

ignorantes como desejando produzir gênio por meios mecânicos. Eu posso falhar,

mas meu fracasso é mil vezes superior ao máximo sucesso dos ignorantes.

Eu basearei portanto os meus comentos não tanto sobre as observações obtidas por

mim mesmo, e os experimentos que eu tenho tentado, mas antes sobre os métodos

clássicos e geralmente reconhecidos de produzir aquele entusiasmo energizado que

é a alavanca que move Deus.

III

Os Gregos dizem que há três métodos de descarregar aquela secreção genial a que

me referi. Eles pensavam talvez que seus métodos tendiam ao processo de

secreção, mesmo; mas isto eu não creio por completo, ou sem dúvida. Pois a

manifestação de força implica a existência de força, e esta força deve ter vindo de

algum lugar. É mais fácil para mim dizer 'subconciência' e 'secreção' do que postular

um reservatório externo; é mais simples estender a minha conotação de "homem" do

que inventar "Deus".

Entretanto, parcimônia à parte, eu verifico em minha experiência que é inútil

chicotear um cavalo exausto. Existem épocas em que estou completamente

desprovido de uma gota sequer deste elixir. Nada é capaz de restaurá-lo; nem

descanso na cama, nem drogas, nem exercício. Por outro lado, algumas vezes

quando após um longo período de trabalho severo eu estou caindo de fadiga física,

talvez estendido no chão, demasiado cansado para mover mão ou pé, a ocorrência

de uma idéia me restaurou à perfeita intensidade de energia, e o desenvolvimento da

idéia em questão dissipou completamente a já mencionada fadiga física, se bem que

a cerebração envolve um grande trabalho adicional.

Exatamente paralelo (sem coincidir em lugar algum) é o caso da mania. Um louco

pode lutar contra seis atletas treinados durante horas, sem mostrar nenhum sinal de

fadiga. Então ele subitamente sofrerá um colapso, mas tão cedo a idéia que provoca

o acesso ocorra novamente, ele resumirá a luta, tão descansado como se não

tivesse passado pela tremenda exerção de pouco antes. Até termos descoberto

"ação muscular inconsciente" e seus efeitos, era racional supor que um homem em

tal condição estava "possesso de um demônio"; e a diferença entre o louco e o gênio

é organizado; a loucura é caótica. Frequentemente a organização do gênio ocorre

em linhas originais, e médicos ignorantes e mal-equilibrados tomam esta

organização por desordem. O tempo demonstrou que Whistler e Gauguin "tinham

regras" tanto quanto os mestres clássicos que -- vociferaram críticos tacanhos --

estes inovadores geniais estavam "desacatando".

IV

Os Gregos dizem que há três métodos de descarregar a garrafa de Leyden do

Gênio. Estes três métodos eles atribuem a três Deuses.

Estes três Deuses são Dionísio, Apolo, Afrodite. Em bom português: vinho, música e

mulher.

Agora, seria um grande erro imaginar que os gregos estavam recomendando uma

visita a um bordel. Antes condenássemos, assim, a Missa Solene na Catedral de

São Pedro em Roma só porque assistimos a um comício revivalista de baixo

protestantismo, estilo sul dos Estados Unidos da América. (Nota de M.: Tornar-se-a

aparente do estudo deste ensaio que A.C. estava tentando informar a Igreja de

Roma dos segredos perdidos por essa organização. Este ensaio foi publicado em

The Equinox, cuja publicação estava sendo atentamente seguida por padres

jesuítas. A Igreja de Roma agradeceu a boa intenção de sua maneira usual

mordendo a mão que a afagava. Porém, a semente deu frutos e continuará dando

frutos entre os padres mais inteligentes e mais aptos.) A desordem é sempre uma

paródia de ordem, porque não existe nenhuma desordem arquetípica que ela possa

copiar. Um crítico de segunda categoria pode parodiar um poeta; mas um poeta não

pode parodiar um tal crítico. O crítico é um feixe de impressões; não existe ego atrás

disso. Todas as fotografias são essencialmente semelhantes; as obras de todos os

bons pintores são essencialmente diversas.

Alguns escritores supõem que nos antigos ritos de Eleusis o Grão-Sacerdote

copulava publicamente com a Grã-Sacerdotisa. Fosse assim, o ato não seria mais

"indecente" do que é "blasfemo" para o sacerdote fazer de pão e vinho o corpo e o

sangue de Deus.

É verdade, os protestantes dizem que isto é blasfemo; mas o protestante é uma

pessoa para a qual todas as coisas sagradas são profanas; cuja mente, sendo toda

ela um monturo, não vê no ato sexual senão um crime ou uma pilhéria; cujas

expressões faciais variam somente entre a prega de desdém e a risada de deboche.

O protestantismo é o excremento do pensamento humano, e por esta razão, em

países protestantes, a arte, quando existe, só existe para revoltar-se. Deixemos esta

alusão pouco agradável e voltemos à nossa consideração dos métodos dos Gregos.

V

Concordemos portanto que não segue, do fato que vinho, mulher e música são os

ingredientes da taverna do cais do porto, que estes ingredientes devam

necessariamente produzir um veneno infernal.

Existe certa gente de mentalidade tão rudimentar que eles pensam que, quando

provaram que o instinto religioso é uma mera florescência do instinto sexual,

destruíram a religião.

Nós deveríamos antes ponderar que a taverna do cais do porto dá ao marinheiro seu

único relance do céu, tal qual a crítica destrutiva dos falicistas apenas prova que o

sexo é um sacramento. A consciência, diz o materialista de machado na mão, é uma

função do cérebro. Ele apenas reformulou a antiga afirmação: "Vossos corpos são

os templos do Espírito Santo!"

Ora, o sexo é com justiça santificado neste senso, que ele é o fogo eterno da raça.

Thomas Henry Huxley admitiu que "alguns dos animalculae mais baixos são em

certo senso imortais", porque eles continuam a se reproduzir eternamente por fissão,

e não importa com que freqüência você divide x por 2, existe sempre algo que resta.

Mas Huxley parece nunca ter percebido que a humanidade é imortal exatamente no

mesmo senso, e continua reproduzindo-se com características semelhantes através

das idades, mudada por circunstâncias do ambiente, é verdade, mas sempre

idênticas a si. Mas a flor espiritual deste processo é que no momento da descarga

um êxtase físico ocorre, um espasmo análogo aquele espasmo mental que a

meditação outorga. E mais, no uso sacramental e cerimonial do ato sexual, a

consciência divina pode ser alcançada.

VI

O ato sexual sendo então um sacramento, resta-nos considerar em que o fato de ser

o ato um sacramento limita o emprego dos órgãos.

Primeiro, é claramente legítimo empregá-lo para seu propósito físico natural. Mas, se

é permissível utilizá-lo cerimonialmente para um propósito religioso, verificaremos

que neste caso o ato está circundado de muitas restrições.

Pois neste caso os órgãos tornam-se santos. Pouco importa à mera propagação que

os homens sejam viciosos; o mais debochado roué poderia engendrar, e quase

certamente engendraria, crianças mais saudáveis que um pudico semi-assexuado.

Portanto, as assim chamadas restrições "morais" não estão baseadas sobre a razão;

e por isto são negligenciadas.

Mas admitamos o seu propósito religioso, e podemos imediatamente declarar que o

ato não deve ser profanado. Não deve ser executado com leviandade e tolice.

O ato pode ser empregado para o direto objetivo de propagação da raça.

O ato pode ser empregado em obediência a verdadeira paixão; pois a paixão,

precisamente como o nome sugere, é inspirada antes por uma força de divino poder

e beleza do que pela vontade pessoal do indivíduo; frequentemente vai contra esta

vontade do indivíduo.

É apenas o casual e o rotineiro - o que Cristo chamava "ocioso" - uso, ou antes

abuso, destas forças que constituí a sua profanação. Será além do mais evidente

que, se o ato em si deve ser o sacramento em uma cerimônia religiosa, este ato

deve ser realizado apenas por amor a Deus. Todas as considerações pessoais

devem ser banidas por completo. Da mesma forma que qualquer sacerdote pode

executar o milagre da transubstanciação, assim pode qualquer homem, possuindo

as necessárias qualificações, executar este outro milagre, cuja natureza deve formar

o assunto de uma discussão subsequente.

Objetivos pessoais tendo sido destruídos, a fortiori é necessário ignorar

considerações sociais e outras semelhantes.

Beleza e força físicas são necessárias e desejáveis por razões estéticas, a atenção

dos adorantes podendo ser distraída se os operadores são feios, deformados ou

incompetentes. Não deve ser necessário acrescentar a necessidade de estrito

autocontrole e concentração por parte destes operadores. Tal como seria blasfêmia

apreciar o gosto grosseiro da base material do vinho do sacramento, da mesma

forma o celebrante deve suprimir até a mais diminuta manifestação de prazer animal.

Dos testes qualificadores não há necessidade de falar; é suficiente dizer que os

adeptos tem sempre sido capazes de assegurar eficiência, e tem sempre sabido

como obtê-la.

É desnecessário insistir numa qualidade semelhante na congregação: a excitação

sexual deve ser suprimida e transformada em seu equivalente religioso.

VII

Com estes preliminares estabelecidos a fim de nos guardarmos contra já previstas

críticas por parte daqueles Protestantes que, Deus os tendo feito um pouco abaixo

dos Anjos, fizeram-se a si próprios muito abaixo das bêstas pela sua

consistentemente bestial interpretação de todas as coisas humanas e divinas,

podemos considerar primeiramente a natureza triuna destes antigos métodos de

energização do entusiasmo.

A música tem duas partes: tom e ritmo. A segunda qualidade associa a música à

dança; e aquela perue da dança que não é ritmo, é sexo. Agora, aquela parte do

sexo que não é uma forma de dança, movimento animal, é intoxicação da alma, o

que estabelece uma relação com o vinho. Outras identidades se sugerirão por si

mesmas ao estudante.

Pelo uso dos três métodos em um o ente inteiro do homem pode ser estimulado.

A música criará uma harmonia geral do cérebro, conduzindo-o em seus próprios

caminhos; o vinho assegura um estímulo geral da natureza animal, e a excitação

sexual eleva a natureza moral do homem pela sua estreita analogia com o mais

elevado êxtase. Resta sempre, porém, que ele mesmo deve executar a

transmutação final. A não ser que ele possua a secreção especial que eu postulei, o

resultado será corriqueiro .

Tão consonante com a natureza do homem é este sistema que ele é exatamente

parodiado e profanado, não apenas na taverna do cais do porto, mas no baile da

sociedade. Aqui, para as naturezas mais baixas, o resultado é embriagues, doença e

morte; para as naturezas médias, um embotamento gradual dos sentimentos mais

elevados; para as naturezas mais finas, uma exilaração resultando no melhor dos

casos na fundação de um amor que dura uma vida inteira.

Se estes "ritos" da sociedade são devidamente executados, não deve resultar

exaustão. Após um baile, a pessoa deveria sentir a necessidade de uma longa

caminhada no jovem ar matinal. Cansaço ou tédio, dor de cabeça ou sonolência, são

avisos da Natureza.

VIII

Agora, o propósito de um tal baile, a atitude moral ao entrar, parece a mim de

suprema importância. Se você vai com a idéia de passar o tempo, você está na

realidade passando a si próprio. Baudelaire fala da primeira fase do amor, quando o

mancebo beija as árvores dos bosques antes que não beijar coisa alguma. Na idade

de trinta e seis anos, eu me surpreendi em Pompéia, beijando apaixonadamente

aquela grande grave estátua de mulher ereta na avenida das tumbas. Mesmo hoje

em dia, quando eu acordo de manhã, eu às vezes beijo os meus próprios braços.

É com tal sentimento que a gente deveria ir a um baile, e é com um tal sentimento,

intensificado, purificado e exaltado, que deveríamos sair de um baile.

Se isto é assim, quanto mais a gente for com o direto propósito religioso queimando

em nosso inteiro ser! Beethoven bramindo à madrugada não é um espetáculo

estranho para mim, que grito de alegria e espanto ao compreender (sem o que

ninguém pode realmente dizer que vê) uma folha de relva. Eu caio de joelhos em

adoração silenciosa da lua; eu velo meus olhos religiosamente diante do esplendor

sagrado de um bom quadro de Van Gogh.

Imagine-se então num baile em que a música é o côro celeste, o vinho é o vinho do

Graal, ou aquele do Sabbath dos Adeptos, e nosso parceiro de dança o Infinito e

Eterno, o Verdadeiro e Altíssimo Deus Vivo!

Ide até mesmo a um gafieira - sim, até isto servirá mesmo ao mínimo entre vós - com

vossa alma inteira acesa dentro de vós, com vossa vontade inteira concentrada

nestas transubstanciações, e dizei-me que milagre ocorre!

É o ódio contra, o desgosto pela vida, que leva a gente ao baile quando se é idoso;

quando se é jovem a gente está em brasas até chegar a hora; mas o amor a Deus,

que é o único verdadeiro amor, não diminui com a idade; torna-se mais profundo e

mais intenso com cada satisfação. Parece como se nos mais nobres entre os

homens esta secreção constantemente aumentasse - o que certamente sugere um

reservatório externo - de forma que a idade perde toda a sua amargura. Nós

encontramos o "Irmão Lourenço", Nicholas Herman de Lorraine, à idade de oitenta

anos em contínuo gozo da união com Deus. Buddha na mesma idade subia e descia

os Oito Alto Trances como um acrobata numa escada; histórias não semelhantes

são relatadas sobre o Bispo Berkeley. Muitas pessoas não alcançaram união até

chegarem à meia-idade, e então raramente a perderam depois.

É verdade que gênio, no sentido ordinário da palavra, quase sempre se manifestou

nos jovens. Talvez nós devamos considerar casos como o de Nicholas Herman,

casos de gênio adquirido.

Ora, eu sou certamente de opinião de que gênio pode ser adquirido; ou,

alternativamente, que é uma possessão quase universal da raça humana. Sua

raridade pode ser atribuída à influência opressora de uma sociedade corrupta. É raro

encontrarmos um jovem sem altos ideais, pensamentos generosos, um senso de

santidade, de sua própria importância; o que, sendo interpretado, é o seu senso de

sua própria identidade com Deus. Três anos no mundo, e ele é um caixeiro de

banco, ou mesmo um funcionário público. Somente aqueles que compreendem

intuitivamente, desde a mais tenra infância, que devem sobressair, e que tem a

incrível coragem e persistência de assim fazer a despeito de toda aquela tirania,

desumanidade e zombeteiro desprezo dos inferiores, somente eles conseguem

chegar à idade viril intocados.

Todo pensamento sério ou espiritual é alvo de pilhéria; poetas são considerados

"efeminados" e "covardes", aparentemente porque são os únicos meninos com uma

vontade própria e, com a coragem de estarem sozinhos contra toda a escola,

mestres e discípulos em liga contra eles da mesma maneira que, uma vez, Herodes

e Pilato estiveram em liga; a honra é substituída por compromissos, a santidade por

hipocrisia.

Mesmo onde encontramos realmente boa semente nascendo em solo favorável, com

demasiada frequência existe um desperdício das forças. Demasiado fácil

encorajamento de um poeta ou pintor é muito pior para ele que qualquer quantidade

de oposição. Aqui novamente a Questão Sexual (assim chamada pelos carolas,

pelos castrados espirituais, pelos vegetarianos-a-vapor e o resto da canalha que não

sabe pensar nem falar quase de outra coisa senão esta, a ocupação constante dos

seus pensamentos) intromete a sua horrenda cabeça. Eu creio que todo menino está

originalmente cônscio de que o sexo é uma coisa sagrada. Mas ele não sabe o que o

sexo é. Com infinita timidez ele pergunta. O professor reage com santo horror; o

menino com um risinho debochado, uma careta maliciosa e obscena, talvez pior.

Eu estou inclinado a concordar com o Principal de Eton quando ele diz que paixões

pederásticas entre meninos de escola "não causam dano"; mais, eu acrescentarei

que acho que tais paixões são a única faceta redentora da vida sexual em colégios

internos de rapazes.

Os Hindus são mais sábios. Na hora, vigiada e esperada, da puberdade, o menino é

preparado como que para um sacramento; ele é guiado a um Templo devidamente

consagrado, e ali, por uma mulher sábia e santa, hábil na arte, e dedicada

exclusivamente a este propósito, ele é iniciado com toda solenidade nos mistérios da

vida.

Desta forma o ato é declarado religioso, sagrado, impessoal, completamente alheio

ao amorismo sentimental, ao eroticismo, ao animalismo, ao pecado original e todas

as outras vilezas que o Protestantismo fez dele.

A Igreja Católica, até certo ponto, creio eu, preservou a tradição Pagã. O Casamento

é um sacramento (Naturalmente, existiu um escola de diabólicos anandros que

mantiveram que o ato, em si, é "maligno". De tais blasfemadores da Natureza o

melhor é que nada mais seja dito.). Mas em sua tentativa de depravar o ato de todas

as adições que o profanariam, os Patriarcas da Igreja adicionaram, a despeito de si

mesmos, outros acréscimos que o profanaram mais. Eles o ligaram as idéias de

propriedade material e de herança. Eles quiseram que o ato servisse tanto a Deus

quanto a Mammon.

Corretamente restringindo o sacerdote, que deve empregar toda a sua energia para

o milagre da Missa, eles fizeram deste conselho de perfeição uma perfeição em

demasia. A tradição mágica foi parcialmente perdida; o sacerdote não podia fazer o

que se esperava dele, e a porção reprimida da sua energia azedou-se.

Daí, os pensamentos de sacerdotes católicos, da mesma forma que os pensamentos

dos modernos protestantes, revolvem eternamente em volta da Questão Sexual.

Uma Missa especial e secreta, uma Missa do espírito Santo, uma Missa do mistério

da Encarnação, para ser executada a intervalos estabelecidos, poderia ter salvado

tanto monges quanto freiras, e dado à Igreja eterno domínio do mundo.

IX

Voltando ao assunto. A raridade da manifestação do gênio é em grande parte devida

à destruição de seus rebentos. Mesmo tal como na vida física é uma exceção a

planta de cujas mil sementes uma germina e cresce, da mesma maneira as

condições presentes da humanidade matam todos a não ser os mais fortes filhos do

gênio.

Mas da mesma forma como os coelhos aumentam diariamente na Austrália, onde se

sabe que até mesmo um missionário engendrou noventa crianças em dois anos, da

mesma maneira nós seremos capazes de criar gênio, se pudermos descobrir as

condições que o impedem, e pudermos removê-las.

O óbvio passo prático a tomar é restaurar os ritos de Baco, Afrodite e Apolo a seu

lugar devido. Eles não deveriam estar abertos a qualquer um, e a idade viril seria a

recompensa de ordália e iniciação.

Os testes físicos deveriam ser severos, e os fracos deveriam ser eliminados, não

artificialmente preservados. A mesma observação se aplica a testes intelectuais.

Mas tais testes deveriam ser tão amplos em alcance quanto possível. Eu era um

absoluto inútil na escola em todo tipo de atletismo e jogos, porque eu desprezava

estas atividades. No entanto eu mantive, e ainda mantenho, numerosos recordes

mundiais de alpinismo. Similarmente, exames não medem inteligência. Cecil Rhodes

recusava dar emprego a qualquer homem com um grau universitário. Que tais graus

levam a honrarias e prosperidade na Inglaterra é simplesmente um sinal da

decadência da Inglaterra, se bem que mesmo na Inglaterra estes graus são

usualmente os degraus da escadaria cujo topo é a preguiça clerical ou a escravidão

pedagógica.

Tal é o esboço esquemático da pintura que eu queria traçar. Se o poder de possuir

propriedade material dependesse da competência pessoal de um homem, e da

percepção de valores reais por parte dele, uma nova aristocracia seria

imediatamente criada; e o fato mortífero que a consideração social hoje em dia varia

com o poder de comprar champanhe deixaria de ser um fato. Nossa

pluto-hetairo-politicocracia cairia em um só dia.

Mas eu estou demasiado cônscio de que uma tal pintura provavelmente não será

executada. Nós podemos então somente trabalhar paciente e secretamente. Nós

devemos selecionar apropriado e treiná-lo com a maior reverência nestes três

métodos principais, ou auxiliar a alma em seu orgasmo genial.

X

Esta atitude de reverência é de uma importância que eu não posso exagerar. Gente

normal experimenta alívio normal de qualquer excitação geral ou especial no ato

sexual.

O Comandante Marston, R.N.; cujos experimentos sobre o efeito do tom-tom na

mulher inglesa casada são clássicos e conclusivos, descreveu admiravelmente como

o vago desassossego que ela demonstra ao princípio gradualmente assume a forma

de excitação sexual e culmina, se assim for permitido, em masturbação

desavergonhada ou solicitações indecentes. Mas este e um corolário natural da

proposição que inglesas casadas usualmente desconhecem a satisfação sexual.

Seus desejos são constantemente estimulados e nunca gratificados por maridos

brutais e ignorantes. Este fato, novamente, explica a espantosa quantidade de casos

de safismo na alta sociedade inglesa.

Os Hindus previnem seus discípulos contra os perigos de exercícios respiratórios.

Efetivamente, a mínima relaxação dos tecidos físicos ou morais pode fazer com que

a energia acumulada pela prática se descarregue numa emissão involuntária. Eu já

notei este fenômeno em minha própria experiência.

É portanto da máxima importância realizar que o alívio da tensão deve ser

encontrado naquilo que os Hebreus e os Gregos chamavam profecia, e que é melhor

quando organizado numa arte. A descarga desordenada é mero desperdício, um

deserto de uivos; a descarga ordeira é um "Prometeu Libertado", ou uma "Láge

dáiran", de acordo com as aptidões especiais da pessoa entusiasmada. Mas deve

ser lembrado que aptidões especiais são muito fáceis de adquirir se a força

impelidora do entusiasmo for grande. Se você não pode observar as regras alheias,

estabeleça regras próprias. Um grupo de regras, no final das contas, é tão bom

quanto qualquer outro.

Henri Rousseua, o douanier, foi apupado a vida inteira. Eu ri tanto quanto o resto; se

bem que, quase que a despeito de mim mesmo, eu repetia (como soe frase ser) que

"eu sentia algo; um não - sei - quê."

No momento em que ocorreu a alguém a idéia de colocar todas as pinturas dele

numa sala por si sós, tornou-se instantaneamente evidente que a naiveté dele era a

simplicidade de um mestre.

Que ninguém imagine que eu não percebo, ou que avalio mau, os perigos inerentes

no emprego destes métodos. A ocorrência até de uma coisa tão simples como a

fadiga poderia fazer de uma Las Meninas uma estúpida crise sexual.

Será necessário a maior parte dos ingleses emular o autocontrole dos árabes e

hindus, cujo ideal é deflorar a maior quantidade possível de virgens - oitenta é

considerado número mais ou menos satisfatório sem completar o ato.

É, realmente, de importância primária para o celebrante em qualquer rito fálico que

ele seja capaz de completar o ato sem uma vez sequer permitir a um pensamento

sexual ou sensual que lhe invada a mente. A mente deve estar tão absolutamente

desprendida do nosso próprio corpo quando ela está no corpo da outra pessoa.

XI

De instrumentos musicais, pouco são apropriados. A voz humana é o melhor, e o

único que pode com utilidade ser empregado em coro. Qualquer coisa parecida com

uma orquestra implica infinito ensaio, e introduz uma atmosfera de artificialidade. O

órgão é um instrumento muito valioso para solos, e é uma orquestra em si, enquanto

que seu tom e associações favorecem a idéia religiosa.

O violino é o mais útil de todos, pois todo e cada um dos seus matizes expressa a

fome pelo infinito; e no entanto ele é tão fluente e tem um diapasão maior que aquele

de qualquer dos seus competidores. Acompanhamento deve ser dispensado, a não

ser que haja um harpista disponível.

A acordeão é um instrumento horrível, quando não seja por causa das associações

que traz a mente; e o piano se lhe assemelha, se bem que, se invisível e tocado por

um Paderewski, serviria.

A trombeta e a campainha são excelentes, para surpreender, nas crises de uma

cerimônia.

Quente, vibrante, apaixonado, e uma classe diversa de cerimônia, uma classe mais

intensa e mais direta, o tom - tom é incomparável. Combina bem a prática de mantra,

e é o melhor acompanhamento para qualquer dança sagrada.

XII

De danças sagradas, a mais prática para uma assembléia é a dança sentada. A

gente se senta de pernas cruzadas no chão, e inclina o corpo de um lado para o

outro partindo dos quadris, em ritmo com o mantra. Um solo ou dueto de dançarinos

como um espetáculo causa distração neste exercício. Eu sugeria uma luz muito

pequena e muito brilhante no chão no meio da sala. Uma tal sala serve melhor se

forrada com mármore em mosaico; o tapete de uma loja maçônica ordinária não é

mau.

Os olhos, se enxergam, vêem apenas os quadrados mecânicos ou rítmicos,

conduzindo em perspectiva a simples, quieta luz no centro.

A oscilação do corpo com o mantra (o qual tende a subir e descer por si mesmo de

um modo muito esquisito) torna-se mais acentuada; finalmente ocorre um curioso

estágio espasmódico, e então a consciência oscila e se vai; talvez irrompe na

consciência divina, talvez é meramente retornada a si mesma por alguma variável de

impressão externa.

O acima é uma descrição muito elementar de uma forma de cerimônia muito simples

e muito séria, baseada inteiramente sobre o ritmo.

É facílima de preparar, e seus resultados são usualmente muito encorajadores para

o principiante.

XIII

O vinho sendo um zombador, e bebida mais forte sendo enraivecedora, seu uso é

mais capaz de produzir distúrbios que a mera música.

Uma dificuldade essencial é a dosagem. A gente necessita exatamente o suficiente;

e, como observa Blake, só se pode verificar quando é suficiente tomando demais.

Para cada homem a dose varia e normalmente; assim também para o mesmo

homem em momentos diversos.

A solução cerimonial deste problema é ter um auxiliar silencioso que leva consigo o

vaso de libação, e o apresenta a cada um dos celebrantes em sucessão, a intervalos

frequentes. Pequenas doses deveriam ser bebidas, e o vaso recusado ou aceito

quando o celebrante julgar aconselhável; porém, o portador do vaso deveria ser um

iniciado, e exercer sua própria discrição antes de apresentar o vaso. O mínimo

sintoma de que intoxicação está se apossando de um participante deveria ser um

sinal para o portador não apresentar o vaso aquele participante. Esta prática pode

ser facilmente combinada com a cerimônia previamente descrita.

Se desejado, em vez de vinho o elixir introduzido por mim na Europa pode ser

empregado. Mas seus resultados, se usado desta maneira, não foram ainda

completamente estudados. É meu propósito imediato reparar esta negligencia.

XIV

A excitação sexual, que deve completar a harmonia do método, oferece um

problema mais difícil.

É excepcionalmente desejável que os movimentos corporais necessários nas

circunstâncias sejam decorosos no mais elevado sentido da palavra; e muita gente

está tão mal condicionada que será incapaz de observar uma semelhante cerimônia

a não ser com olhos críticos ou lascivos; uma coisa ou outra seria fatal a todo o

trabalho prévio de preparação. Presumivelmente é melhor esperar até todos os

presentes estarem grandemente exaltados antes de arriscar uma profanação.

Não é desejável, na minha opinião, que celebrantes comuns executem isto em

público.

O sacrifício deveria ser único.

Se ou não...

XV

Até aqui eu havia escrito quando o distinto poeta cuja conversação sobre os

Mistérios me havia incitado a rabiscar estas poucas notas superficiais bateu à minha

porta. Eu lhe disse que estava trabalhando nas idéias sugeridas por ele, e que bem,

que eu não sabia como continuar. Ele pediu permissão para ver o manuscrito (pois

ele lê o inglês fluentemente, se bem que o fala pouco), e isso feito, animou-se e

disse: "Se você vier comigo agora, nós terminaremos o seu ensaio". Contente de

encontrar qualquer desculpa para não continuar trabalhando, e quanto mais

plausível melhor, eu apressei-me a vestir meu casaco e a por o meu chapéu.

Por falar nisto, ele observou no automóvel, "eu creio que você não se importaria de

me dar a Palavra de Rose Croix". Surpreendido, eu troquei os segredos de I.N.R.I.

com ele. "E agora, mui excelente e perfeito Príncipe", ele disse, "o que segue está

sob este gelo", e ele deu-me o mais solene de todos os signos maçônicos. "Você

está a ponto", disse ele, "de comparar o seu ideal com o nosso real".

Ele tocou uma campainha. O automóvel parou, e nós soltamos. Ele despediu o

chauffeur. "Venha", disse ele, "nós temos quase um quilometro bem batido a

percorrer". Nós caminhamos através de espessos bosques até uma casa velha,

onde fomos recebidos em silêncio por um cavalheiro que, se bem que em roupas de

gala, tinha na mão uma espada muito "praticável". Satisfazendo-o, nós fomos

passados adiante através de um corredor a uma antecâmara, onde outro guardião

armado nos esperava. Este, após outro exame, ofereceu-me roupagens de côrte, a

insígnia de um príncipe soberano de Rose Croix, e uma jarreteira e manto; a

jarreteira de seda verde, o manto de veludo verde, e forrado com seda cor de cereja.

"É uma missa ordinária", cochichou o guardião. Nesta antecâmara estavam três ou

quatro outros, tanto senhoras quanto cavalheiros, afanosamente colocando as

roupagens.

Em uma terceira sala nós encontramos uma procissão formada, e juntamo-nos a ela.

Havia vinte e seis de nós. Passando um último guardião, nós entramos na capela

mesma, em cujo umbral estavam de pé um mancebo e uma mocinha, ambos

vestidos em simples robes de seda branca bordada a ouro, vermelho e azul. O

primeiro empunhava uma tocha de madeira resinosa; a segunda nos salpicou ao

passarmos com água de rosas de uma taça.

A sala em que nós agora estávamos havia sido uma capela; tanto era demonstrado

pela sua forma. Mas o altar-mor estava coberto com uma toalha que exibia a Rosa e

Cruz, enquanto que sobre esta estavam enfileirados sete candelabros, cada qual de

sete ramos.

Os bancos haviam sido conservados; e à mão de cada cavalheiro estava uma vela

acesa de cera cor-de-rosa, e diante dele um buque de rosas,

No centro da nave jazia uma grande cruz - uma cruz de calvário de dez quadrados",

medindo, digamos seis por cinco pés - pintada em vermelho sobre uma prancha

branca, dos lados da qual pendiam anéis através dos quais saíam as pontas de

postes dourados que passavam por baixo da prancha. Em cada ângulo desta estava

ereto um estandarte, mostrando leão, touro, águia e homem; e do topo entre os

quatro estendia-se um dossel azul, onde estavam figurados em ouro os doze

emblemas do zodíaco.

Cavalheiros e Damas tendo tomado seus lugares, subitamente uma campainha

tilintou me arquitrave. Instantaneamente todos se ergueram. As portas abriram-se a

um toque de trombetas de fora, e um arauto avançou, seguido pelo Alto Sacerdote e

Sacerdotisa.

O Alto Sacerdote era um homem de aproximadamente sessenta anos de idade, se

posso julgar pela barba branca; mas ele caminhava com o passo elástico, se bem

que seguro, dos trinta. A Grã Sacerdotisa, uma orgulhosa alta, sombria mulher de

talvez trinta anos de idade, vinha a seu lado, as mãos de ambos erguidas e

tocando-se como no minueto. Os mantos de ambos eram conduzidos pelo casal de

jovens que nos havia admitido.

Enquanto tudo isto se passava, um órgão invisível tocava um Intróito.

Isto cessou quando eles tomaram seus postos no altar. Eles voltaram-se em direção

ao Oeste, esperando.

Ao fechar das portas, o guarda armado, que estava vestido em um robe escarlate

em vez de verde, desembainharam as suas espadas e voltaram-se para fora,

mantendo as pontas das espadas diante de si. Esta parte da cerimônia pareceu

interminável. Quando acabou, a moça e o mancebo reapareceram; carregando, uma

um vaso, o outro, um turíbulo. Cantando alguma litania, aparentemente em grego, se

bem que eu não pude pegar as palavras, eles purificaram e consagraram a capela.

Agora o Alto Sacerdote e a Grã sacerdotisa começaram uma litania em linha rítmicas

de igual comprimento. A cada terceira resposta eles tocavam as mãos de uma

maneira peculiar; a cada sétima eles se beijavam. A vigésima primeira foi um abraço

completo. A campainha tilintou na arquitrave; e eles se separaram. O Alto Sacerdote

então tomou de sobre o altar um frasco curiosamente modelado para imitar um falo.

A Grã Sacerdotisa ajoelhou-se e apresentou uma taça de ouro moldada na forma de

um barco. Ele ajoelhou-se do outro lado dela, mas não verteu do frasco.

Agora os Cavalheiros e Damas começaram uma longa litania; primeiro uma dama

em voz fina, então um cavalheiro em voz masculina, então uma resposta em coro de

todos os presentes com o órgão. Este Coro era: EVOE HO, IACCHE! EPELTHON,

EPELTHON, EVOE, IAO!

De novo e de novo este coro ergueu-se e caiu. Lá para o fim, fosse um efeito teatral

ou não, eu não posso assegurar, a luz sobre o altar tornou-se rósea, então púrpura.

O Alto Sacerdote súbita e incisivamente ergueu a mão; silêncio instantâneo.

Ele agora verteu o vinho do frasco. A Grã Sacerdotisa deu-o à jovem assistente, a

qual levou-o a todos os presentes.

Isto não era um vinho ordinário. Já foi dito de vodka que parece água e tem gosto de

fogo. Com este vinho o reverso é o caso. Ele era de um rico ouro de fogo, em que

flamas de luz dançavam e tremiam; mas seu gosto era límpido e puro como água

fresca da fonte. Tão cedo eu bebi dele, porém, eu comecei a tremer. Era uma

sensação muitíssimo surpreendente; eu posso imaginar que um homem se sinta

assim quando está esperando pelo carrasco; quando passou o estágio de medo, e

só resta excitação.

Eu olhei a minha bancada, e vi que cada qual era afetado da mesma maneira.

Durante a libação, a Alta sacerdotisa cantou um hino, novamente em grego. Desta

vez eu reconheci as palavras; eram as de uma velha Ode a Afrodite.

O mancebo assistente agora desceu à cruz vermelha, ajoelhou-se e beijou-a; então

dançou sobre ela de uma tal forma que ele parecia estar traçando as linhas de uma

maravilhosa rosa de ouro, pois a percussão fez com que uma chuva de pó brilhante

caísse do dossel. Enquanto isso, a litania (palavras diversas, mas o mesmo coro)

recomeçou. Desta vez era um dueto entre o Alto Sacerdote e a Grã sacerdotisa. A

cada coro Cavalheiro e damas se curvavam profundamente. A moça movia-se

continuamente à roda, e o vaso passava.

Isto terminou com a exaustão do mancebo, que caiu desfalecido sobre a cruz. A

moça imediatamente tomou o vaso e chegou-o aos lábios dele. Então ele

levantou-se e, com o auxílio do Guardião do Santuário, levou-o para fora da capela.

A campainha novamente tilintou na arquitrave.

O arauto tocou uma fanfarra.

O Alto Sacerdote e a Grã Sacerdotisa moveram-se majestosamente um em direção

ao outro e abraçaram-se e beijaram-se, no ato desatando os pesados robes

dourados que vestiam. Estes robes tombaram, gêmeos lagos de ouro. Eu agora vi-a

vestida de seda watered, forrada por completo (como depois tornou-se evidente)

com arminho.

A vestimenta do Alto Sacerdote era um bordado elaborado de todas as cores,

harmonizadas por uma arte delicadíssima, entretanto robusta. Ele usava também

peitoral correspondendo ao dossel: uma "besta" esculpida em ouro a cada canto,

enquanto que os doze signos do zodíaco eram simbolizados pelas pedras do

peitoral.

A campainha tilintou ainda uma vez, e o arauto de novo fez soar sua trombeta. Os

celebrantes moveram-se de mãos dadas ao longo da nave enquanto o órgão

trovejava suas harmonias solenes.

Todos os Cavalheiros e Damas ergueram-se e deram o signo secreto da Rose Croix.

Foi nesta parte da cerimonia que coisas começaram a acontecer comigo. Eu

tornei-me subitamente cônscio de que meu corpo perdera tanto o peso quanto o

senso do tato. Minha consciência parecia não mais estar situada em meu corpo. Eu

"me confundi", se eu posso usar esta expressão, com uma das estrelas no dossel.

Desta maneira eu não vi os celebrantes enquanto eles se aproximavam da cruz. A

campainha tilintou de novo; eu retornei a mim mesmo, e então vi que a Grã

sacerdotisa, de pé ao pé da cruz, havia atirado seu robe sobre esta, de forma que a

cruz não mais era visível. Havia apenas um estrado coberto de arminho. Ela estava

agora nua a não ser pelo seu diadema colorido e cravejado de jóias, a pesada

coleira de ouro em volta de seu pescoço, e os braceletes e tornozeletes que

combinavam com esta. Ela começou a cantar em uma linguagem doce e estranha,

tão baixo e tão suavemente que em minha parcial confusão eu não pude ouvir tudo;

mas eu peguei algumas palavras, Io Paian! Io Pan! E uma frase em que as palavras

Ias Sabao terminavam enfaticamente uma sentença em que eu distingui as palavras

Eros, Thelema e Sebazo.

Enquanto assim fazia, ele desatou o peitoral do Alto Sacerdote e deu-o a moça

assistente. Seguiu a vez do robe; eu vi que eles estavam nus e sem vergonha. Pela

primeira vez houve silêncio absoluto.

Agora, de uma centena de jatos em volta do tablado esguichou uma fumaça

perfumada e púrpura. O mundo foi envolto em uma acariciante gaze de névoa,

sagrada como as nuvens no cume das montanhas.

Então, a um sinal dado pelo Alto Sacerdote, a campainha tilintou uma vez mais. Os

celebrantes estenderam seus braços na forma de três círculos e meio. Ela então

deitou-o sobre a cruz, e tomou o seu lugar apontado.

O órgão de novo fez rolar sua solene música.

Eu estava perdido para tudo. Eu vi apenas isto, que os celebrantes não faziam

nenhum movimento esperado. Os movimentos eram extremamente curtos; no

entanto extremamente fortes.

Isto deve ter continuado durante muito tempo. A mim pareceu-me como se a

eternidade mesma não pudesse conter a variedade e profundidade de minhas

experiências. Nem língua nem pena poderiam registrá-las; e no entanto eu anseio

por tentar o impossível.

1 - Eu era, certamente, indubitavelmente, a estrela no dossel. Esta estrela era um

mundo inconcebivelmente enorme de pura flama.

2 - Eu subitamente percebi que a estrela não tinha nenhum tamanho. Não é que a

estrela diminuísse de tamanho; é que ela (=eu) tornou-se subitamente cônscia do

espaço infinito.

3 - Uma explosão tomou lugar. Em conseqüência eu era um ponto de luz,

infinitamente pequeno, no entanto infinitamente brilhante; e este ponto não tinha

posição.

4 - Consequentemente, este ponto era ubíquo, e havia um sentimento de infinito

assombro e desorientação, cegado depois de muito tempo por um jorro de raptura

infinita (eu uso a palavra "cegado" como se forçado a assim fazer; eu teria preferido

usar as palavras "apagado", ou "esmagado", ou "iluminado").

5 - Esta infinita repleção - eu não a descrevi como tal, mas assim era - foi

subitamente mudada em uma sensação de infinito vazio, que se tornou consciente

como uma 6ansia.

6 - Estes dois sentimentos começaram a alternar-se, sempre subitamente, e sem se

confundirem um com o outro, muito rapidamente.

7 - Esta alternação deve ter ocorrido cinqüenta vezes - eu teria antes dito uma

centena.

8 - Os dois sentimentos subitamente se tornaram um só. Novamente a palavra

explosão é a única que dá qualquer idéia disto.

9 - Agora pareceu-me que me tornara consciente de tudo simultaneamente, que era

tudo, ao mesmo tempo um e muitos. Eu digo simultaneamente, isto é: eu não era

sucessivamente todas as coisas, mas instantaneamente.

10 - Este ente, se posso chamá-lo de ente, pareceu cair dentro de um infinito abismo

de Nada.

11 - Enquanto esta "queda" se processava, a campainha subitamente tilintou três

vezes. Eu instantaneamente me tornei meu ser normal, no entanto com uma

percepção constante, a qual nunca mais me deixou até agora, de que a verdade

neste assunto não é este "eu" normal, mas "Aquilo" que está ainda caindo no Nada.

Asseguraram-me aqueles que sabem que eu serei capaz de retornar o fio se

presenciar outra cerimonia.

O tilintar da campainha esvaiu-se por fim. A moça assistente correu a cobrir os

celebrantes com as dobras do arminho. O arauto tocou uma fanfarra, e os

Cavalheiros e Damas deixaram as bancadas. Avançando ao tablado, nós tomamos

os postes dourados para carregar, e seguimos o arauto em procissão para fora da

capela, levando a liteira a uma pequena capela lateral saindo da antecâmara do

meio; e ali a deixamos, o guarda fechando as portas.

Em silêncio nos desvestimos, e deixamos a casa. A uma milha mais ou menos

através do bosque nós encontramos o automóvel do meu amigo esperando.

Eu perguntei a ele, se aquilo era uma missa ordinária, não me poderia ser permitido

assistir a uma Missa Solene?

"Talvez", respondeu ele com um curioso sorriso, "se tudo que dizem de si é

verdade".

Entretanto ele me deu permissão de descrever a cerimonia e seus resultados com

tanta fidelidade quanto eu fosse capaz, recomendando-me apenas que não desse

nenhuma indicação da cidade perto da qual ela ocorrera.

Eu estou disposto a indicar a iniciados do grau Rose Croix da maçonaria sob a

devida patente das autoridades legítimas (pois existem Maçons espúrios trabalhando

sob uma patente forjada) o endereço de uma pessoa disposta a considerar sua

capacidade de se afiliarem a um capítulo praticando ritos deste tipo.

XVI

Eu considero desnecessário e supérfluo continuar meu ensaio sobre os Mistérios e

minha análise do Entusiasmo Energizado.

ALEISTER CROWLEY

Nota de M.:

É necessário não confundir a cerimonia descrita acima com aquilo que é usualmente

chamado de "Missa Negra".

A "Missa Negra" é uma paródia da Missa Romana, deliberadamente invertendo ou

caricaturando essa cerimonia; meus celebrantes e assistentes são em geral

neuróticos profundamente ligados ao catolicismo romano que desta forma procuram

dar alívio aos conflitos que o seu módico de bom senso, e a revolta de seu intelecto

e seus sentimentos, provocam na sua psique diante dos dogmas absurdos e

anti-naturais daquela instituição.

Qualquer organização (ou antes, desorganização) que adora o "Diabo" no sentido

que a teologia romana dá a esta palavra, é no baixo astral (nem poderia ser acima)

controlada por padres romanos ou pela inércia (não se pode chamá-la mais de

cadeia, desde que não tem mais fonte) coletiva do catolicismo romano.

A principal prova, no sentido mundano da palavra, disto é que "praticantes" da

"Missa Negra" são tratados com muita leniência pela polícia de países onde o clero

romano prepondera, enquanto que iniciados ou maçons legítimos são sempre

vigiados e perseguidos.

É necessário também que o Aspirante interessado em entrar em contato com as

verdadeiras Lojas não se deixe enganar pelas assim chamadas "bacanais" que são

comuns em, praticamente, todas grandes cidades do mundo. Tais "bacanais" não

tem sentido religioso, e são úteis apenas se encaradas como, neste ensaio, é

aconselhado que se encare um baile ou uma taverna.

O característico principal de uma verdadeira Missa Fálica é a intensa espiritualidade

de propósito e ação; a genuína e profunda consciência de que o corpo humano é o

Templo do espírito Santo, e que nosso parceiro ou parceira no ato é o próprio Deus

Vivo.

Tal consciência é o fruto de progresso espiritual que não é usualmente encontrado

em Sacerdotes do clero romano; e quem não a possui no mais alto grau jamais será

admitido nos círculos internos das genuínas Grandes Fraternidades Maçônicas.


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