LIBER
VEL
LAPIDIS LAZULI
ADUMBRATIO
KABBALÆ
ÆGYPTIORUM
Sub figura VII
A.·.A.·.
Publicação em Classe A.
Imprimatur: N. Fra. A.·.A.·.
PRÓLOGO DO INASCIDO
1. À minha solidão chega.
2. O som de uma flauta em bosquetes escuros que crescem nos montes mais
distantes.
3. Mesmo da margem do corajoso rio eles atingem a borda do deserto.
4. E eu vejo Pã.
5. As neves são eternas acima, acima.
6. E o perfume delas sobe às narinas das estrelas.
7. Mas que tenho eu a ver com estas coisas?
8. Para mim somente a flauta distante, a duradoura visão de Pã.
9. Em toda parte Pã para os olhos, para os ouvidos;
10. O perfume de Pã presente, o gosto dele enchendo-me por completo a boca, de
forma que a língua fala um idioma monstruoso e estranho.
11. O abraço dele intenso em todo centro de prazer e dor.
12. O sexto sentido interno inflamado com Seu ser mais íntimo;
13. Meu ser atirado ao precipício da existência.
14. Até mesmo no abismo, aniquilação.
15. Um fim para a solidão, como de tudo.
16. Pã! Pã! Io Pã! Io Pã!
I
1. Meu Deus, como eu Te amo!
2. Com a veemente fome de uma besta eu Te caço pelo Universo.
3. Tu estás como que de pé sobre um pináculo na borda de alguma cidade murada.
Eu sou uma ave branca, e me empoleiro em Ti.
4. Tu és Meu Amante: eu Te vejo qual uma ninfa, seus membros níveos estirados
junto à fonte.
5. Ela jaz sobre o musgo; não há outrem senão ela:
6. Não és Tu Pã?
7. Eu sou Ele. Não fales, Oh meu Deus! Que o trabalho seja executado em silencio.
8. Que meu grito de dor se cristalize num veadinho branco que foge para dentro da
floresta!
9. Tu és um centauro, Oh meu Deus, da Tua coroa de violetas até os cascos do
cavalo.
10. Tu és mais duro que o aço temperado, não há diamante como Tu.
11. Não entreguei este corpo e alma?
12. Eu te cortejo com uma adaga ameaçando-me a garganta.
13. Que o jorro de sangue mate Tua sede de sangue, Oh meu Deus!
14. Tu és um coelhinho branco na toca da Noite.
15. Eu sou maior que a raposa e o buraco.
16. Dá-me Teus beijos, Oh Senhor Deus!
17. O relâmpago veio e consumiu o rebanhinho de ovelhas.
18. Há uma língua e uma flama; eu vejo aquele tridente caminhando sobre o mar.
19. Uma fenix tem ele por cabeça; há dois aquilhões embaixo. Eles lanceiam os
malvados.
20. Eu te lancearei, Oh Tu deusinho cinza, se Tu não tomas cuidado!
21. Do cinza ao ouro; do ouro àquilo que está além do ouro de Ofir.
22. Meu Deus! mas eu Te amo!
23. Por Tu sussurraste tanta coisa ambígua? Tiveste medo, Oh Tu de pés-de'bode,
Oh Tu chifrudo, Oh pilar de Raio?
24. Do raio caem pérolas; das pérolas, negros pedacinhos de nada.
25. Eu baseei tudo em um, um em nenhum.
26. Flutuando no éter, Oh meu Deus, meu Deus!
27. Oh Tu grande encapuçado sol de glória, corta estas pálpebras!
28. A natureza morrerá; ela me esconde, fechando-me as pálpebras com medo, ela
me esconde de Minha destruição, Oh Tu olho aberto.
29. Oh Tu que sempre choras!
30. Nem Isis minha mãe, nem Osiris eu-mesmo; mas Horus incestuoso entregandose
a Tifão, assim eu seja!
31. Aí pensamento; e o pensamento é o mal.
32. Pã! Pã! Io Pã! é bastante.
33. Não caias na morte, Oh minha alma! Pensa que a morte é a cama na qual tu
estás caindo!
34. Oh como eu Te amo, Oh meu Deus! Especialmente há uma veemente luz
paralela vinda da infinidade, vilmente difratada na névoa desta mente.
35. Eu Te amo. Eu te amo. Eu te amo.
36. Tu és uma coisa linda, mais branca que uma mulher na coluna desta vibração.
37. Eu subo verticalmente como uma flecha e me torno Aquilo acima.
38. Mas é morte, e a flama da pira.
39. Ascende na flama da pira, Oh minha alma! Teu Deus é como o frio vazio do mais
extremo céu, no qual tu radias tua pequena luz.
40. Quando Tu me conheceres, Oh Deus vazio, minha flama expirará por completo
em Teu grande N.O.X.
41. Que serás Tu, meu Deus, quando eu não Te amar mais?
42. Um verme, um nada, uma canalha desprezível.
43. Mas Oh! Eu Te amo.
44. Eu atirarei um milhão de flores da cesta do Além aos Teus pés, eu Te ungí e ao
Teu Cajado de óleo e sangue e beijos.
45. Eu acendi Teu mármore para a vida, sim! Para a morte.
46. Eu fui golpeado com a catinga de Tua boca, que bebe nunca vinho, mas vida.
47. Como o orvalho do Universo embranquece os lábios!
48. Ah! fiozinho das estrelas da mãe Superna, estanca!
49. Eu Sou Ela que viria, a Virgem de todos os homens.
50. Sou um menino ante Ti, Oh Deus sátiro.
51. Tu inflingirás a punição do prazer. Agora! Agora! Agora!
52. Io Pã! Io Pã! Eu Te amo. Eu te amo.
53. Oh meu Deus, poupa-me!
54. Agora! Está feito! Morte.
55. Eu gritei alto a palavra; e ela foi um potente encanto para atar o Invisível, um
feitiço para desatar o atado; sim, para desatar o atado.
II
1. Oh meu Deus! Usa-me Tu de novo, sempre. Para sempre! Para sempre!
2. Aquilo que veio fogo de Ti vem água de mim; portanto que Teu Espírito se aposse
de mim, para que minha mão direita desprenda o raio.
3. Viajando pelo espaço, eu vi a carga de duas galáxias, marrando uma à outra e
chifrando como touros sobre a terra. Eu tive medo.
4. Assim elas pararam de lutar e voltaram-se contra mim, e eu fui duramente
esmagado e dilacerado.
5. Eu preferiria ter sido espezinhado pelo Elefante do Mundo.
6. Oh meu Deus! Tu és minha tartaruga de estimação!
7. No entanto Tu sustentas o Elefante do Mundo.
8. Eu me insinuo sob tua carapaça como um amante na cama de sua linda; eu me
insinuo e sento-me em Teu coração, tão entocadinho e confortável quanto se possa
ser.
9. Tu me abrigas, de forma que não ouço o trombeteio daquele Elefante do Mundo.
10. Tu não vales um vintém na praça de mercado; no entanto Tu não podes ser
comprado pelo valor de todo o Universo.
11. Tu és como uma escrava núbia reclinando sua púrpura nua contra os verdes
pilares de mármore que estão acima do banho público.
12. Vinho jorra de seus negros mamilos.
13. Eu bebi vinho há pouco tempo na casa de Pertinax. O escanção favoreceu-me, e
deu-me do dulcíssimo Chian.
14. Havia um jovem dórico, perito em feitos de força, um atleta. A lua cheia fugiu
colérica pelas ruínas. Ah! mas nós rimos.
15. Eu fiquei perniciosamente bêbado. Oh meu Deus! No entanto, Pertinax
trouxe-me às bodas.
16. Eu tive uma coroa de espinhos como único dote.
17. Tu és como um chifre de bode de Astor, Oh Tu Deus meu, enrugado e retorcido
e diabolicamente forte.
18. Mais frio que todo o gelo de todos os glaciares da Montanha Pelada foi o vinho
que ele verteu para mim.
19. Uma região selvagem e uma lua minguante. Nuvens céleres no céu. Um círculo
de pinheiros, e de altos seixos além. Tu no meio!
20. Oh todos vós sapos e gatos, alegrai-vos! Vós coisas gosmentas, cá vinde!
21. Dançai, dançai para o Senhor nosso Deus!
22. Ele é ele! Ele é ele! Ele é ele!
23. Por que deveria eu persistir?
24. Por que? Por que? Vem o cacarejo súbito de um milhão de diabinhos do inferno.
25. E o riso se alastra.
26. Mas não afeta o Universo; não faz tremerem as estrelas.
27. Deus! Como eu Te amo!
28. Eu estou andando num asilo; todos os homens e mulheres em volta minha são
loucos.
29. Oh loucura! Oh loucura! Tu és desejável.
30. Mas eu Te amo. Oh Deus!
31. Estes homens e mulheres deliram e uivam; eles espumejam tolice.
32. Eu começo a sentir medo. Eu não tenho com quem comparar notas; eu estou só.
Só. Só.
33. Pensa, Oh Deus, como sou feliz em Teu amor.
34. Oh Pã de mármore! Oh falsa face que escarnece! Eu amo Teus beijos escuros,
sangrentos e fedegosos! Oh Pã de mármore! Teus beijos são como a luz do sol no
Egeu azul; seu sangue é o sangue do poente sobre Atenas; sua catinga é como um
jardim de Rosas da Macedônia.
35. Eu sonhei com poente, e rosas, e vinhedos; Tu estavas lá, Oh meu Deus, Tu
disfarçaste-Te como uma cortezã de Atenas, e eu Te amei.
36. Tu não és sonhos, Oh Tu demasiado belo tanto para o sono quanto para a
vigília!
37. Eu disperso a gente louca da terra; eu caminho sozinho com meus fantoches no
jardim.
38. Eu sou enorme qual Gargântua: aquela galáxia é apenas o anel de fumo do meu
incenso
39. Queima Tu ervas estranhas, Oh Deus!
40. Fermentai-me um licor mágico, rapazes, com vossas olhadas!
41. A própria alma está bêbada.
42. Tu estás bêbado, Oh meu Deus, com os meus beijos.
43. O Universo treme; To o olhaste.
44. Duas vezes, e tudo está feito.
45. Vem, Oh meu Deus, e abracemo-nos!
46. Preguiçosamente, esforçadamente, ardentemente, pacientemente; assim eu
trabalharei.
47. Haverá um Fim.
48. Oh Deus! Oh Deus!
49. Eu sou um tolo de Te amar; Tu és cruel, Tu Te abstens.
50. Vem a mim agora! Eu Te amo! Eu Te amo!
51. Oh meu querido, meu querido. Beija-me! Beija-me! Ah! Uma vez mais.
52. Sono, apossa-te de mim! Morte, apossa-te de mim! Esta vida é demais cheia; ela
dói, ela mata, ela basta.
53. Que eu volte para o mundo; sim, volte para o mundo.
III
1. Eu fui o sacerdote de Ammon-Ra no templo de Ammon-Ra em Thebai.
2. Mas Baco veio cantando com suas tropas de moças vestidas de vinha, moças em
mantos escuros; e Baco no meio como um veadinho!
3. Deus! Como eu saí com raiva e espalhei o coro!
4. Mas em meu templo ficou Baco o sacerdote de Ammon-Ra.
5. Portanto eu fui em farra com as jovens à Abissínia; e lá moramos e nos
divertimos.
6. Excedentemente; sim, nos divertimos muito!
7. Eu comerei o fruto maduro ou verde pela glória de Baco.
8. Terraços de ilex, e arquibancadas de onix e opalas e sardônia elevando-se ao
frasco, verde portal de malaquita.
9. Dentro há uma concha de cristal, na forma de uma ostra. Oh glória de Príapo! Oh
beatitude da Grande Deusa!
10. Ali dentro uma pérola.
11. Oh Pérola! Tu vieste da majestade do terrível Ammon-Ra.
12. Então eu, o sacerdote, vi um brilho firme no coração de pérola.
13. Tão vivo que não podíamos olhar! Mas vede! Uma rosa cor-de-sangue sobre
uma cruz de ouro fulgente!
14. Assim eu adorei o Deus. Baco! tu és o amante de meu Deus!
15. Eu que fui sacerdote de Ammon-Ra, que vi o Nilo correr por muitas luas, por
muitas, muitas luas, sou o veadinho da terra cinza.
16. Eu estabelecerei minha dança em vossos conventículos, e meus amores
secretos serão doces entre vós.
17. Tu terás um amante entre os senhores da terra cinza.
18. Isto ele te trará, sem o que tudo é em vão: a vida de um homem derramada a ti
nos Meus Altares.
19. Amém.
20. Que seja cedo, Oh Deus, meu Deus! Eu anseio por Ti, eu perambulo muito só
entre a gente louca, na terra cinza de desolação.
21. Tu eregerás abominável Coisa solitária de maldade. Oh alegria! cimentar aquela
pedra fundamental!
22. Ela estará ereta sobre a alta montanha; somente meu Deus comungará com ela.
23. Eu a construirei de um rubi único' ela será vista de longe.
24. Vem irritemos os vasos da terra: eles destilarão vinho estranho.
25. Cresce aquilo sob minha mão: cobrirá o céu inteiro.
26. Tu estás atrás de mim: eu grito com alegria louca.
27. Então disse Ituriel o forte: adoremos nós também esta maravilha invisível!
28. Isto eles fizeram, e os arcanjos cobriram o céu.
29. Estranho e místico, como um sacerdote amarelo invocando grandes revoadas de
grandes aves cinzentas do Norte, assim estou de pé e Te invoco!
30. Que eles não obscureçam o sol com suas asas e seu clamor!
31. Retira a forma e sua comitiva!
32. Eu permaneço.
33. Tu és como uma águia-pescadora num arrozal, eu sou o grande pelicano
vermelho nas águas do poente.
34. Eu sou como um eunuco negro; e Tu és a cimitarra. Eu decepo a cabeça do
claro, do quebrador de pão e sal.
35. Sim eu decepo, e o sangue faz como que um poente no lapis-lazuli do Quarto de
dormir do Rei.
36. Eu decepo. O mundo inteiro é quebrado num grande vendaval, e uma voz brada
numa língua que os homens não podem falar.
37. Eu conheço aquele horrível som de alegria primavera; sigamos nas asas da
tormenta até mesmo à casa santa de Hator; afereçamos as cinco jóias da vaca sobre
seu altar!
38. De novo a voz inumana!
39. Eu ergo minha massa de Titã nos dentes da tormenta, e golpeio e prevaleço, e
lanço-me por sobre o mar.
40. Lá está um estranho Deus pálido, um deus de dor e de extrema maldade.
41. Minha alma morde-se a si mesma, como um escorpião cercado de fogo.
42. Aquele pálido Deus de face desviada, aquele Deus de sutileza e riso, aquele
jovem Deus dórico, eu o servirei.
43. Pois o fim daquilo é inenarrável tormento.
44. Melhor a solidão do grande mar cinza!
45. Mas ai da gente da terra cinzenta, meu Deus!
46. Sufoca-los-ei com minhas rosas!
47. Oh Tu Deus delicioso, sorri sinistro!
48. Eu te colho, Oh meu Deus, como uma ameixa púrpura da rama ensolarada.
Como Tu desmanchas em minha boca, Tu consagrado açúcar das Estrelas!
49. O mundo todo é cinza ante os meus olhos: é como um velho, usado odre de
vinho.
50. Todo o vinho dele está nestes lábios.
51. Tu me engendraste sobre uma Estátua de mármore, Oh meu Deus!
52. O corpo esta gelado com o frio de um milhão de luas; é mais duro que o
adamante eterno. Como chegarei à Luz?
53. Tu és Ele, Oh Deus! Oh meu querido! Minha criança! Meu brinquedo! Tu és
como um grupo de donzelas, como uma multidão de cisnes sobre o lago.
54. Eu sinto a essência do macio.
55. Eu sou duro, e forte, e macho; mas venha Tu! Eu serei macio, e fraco, e
feminino.
56. Tu me esmagarás no lagar do Teu amor. Meu sangue Te tingirá os pés de fogo
com litanias se Amor em Angústia.
57. Haverá uma nova flor nos campos, uma nova vindima nos vinhais.
58. As abelha colherão um mel novo; os poetas cantarão uma nova canção.
59. Eu ganharei a Dor do Bode como prêmio; e o Deus que senta sobre os ombros
do Tempo cochilará.
60. Então tudo isto que está escrito será feito; sim, será feito.
IV
1. Eu sou como uma donzela banhando-se num claro poço de água fresca.
2. Oh meu Deus! Eu Te vejo escuro e desejável, subindo através da água como uma
fumaça dourada.
3. Tu és todo dourado, o cabelo e o cenho e a face brilhante; mesmo das pontas dos
dedos às pontas dos artelhos, Tu és um rosado sonho de ouro.
4. Fundo em Teus olhos dourados minha alma pula, como um arcanjo ameaçando o
sol.
5. Minha espada Te trespassa e trespassa; luas cristalinas escoam do Teu corpo
lindo que está escondido atrás das ovais de Teus olhos.
6. Mais fundo, sempre mais fundo. Eu caio, mesmo como o Universo inteiro cai no
abismo de Anos.
7. Pois a Eternidade chama; o Sobremundo chama; o mundo do verbo nos espera.
8. Acaba com a fala, Oh Deus! Crava as presas do cão Eternidade nesta garganta
minha!
9. Eu sou como uma ave ferida esvoaçando em círculos.
10. Quem sabe onde vou cair?
11. Oh Abençoado! Oh Deus! Oh meu devorador!
12. Deixa-me cair, precipitar-me, afastar-me, longe, só!
13. Deixa-me cair!
14. Nem há qualquer descanso, Coração Doce, salvo no berço do régio Baco, a coxa
do Altíssimo.
15. Lá, descanso, sob o dossel da noite.
16. Urano censurou Eros; Marsyas censurou Olympas; eu censuro meu lindo amante
com sua cabeleira de raios de sol; não cantarei?
17. Não trarão meus encantamentos em volta minha a maravilhosa companhia dos
deuses silvestres, seus corpos luzindo com o unguento de luar, e mel, e mirra?
18. Reverentes sois vós, Oh meus amantes; avancemos para a clareira mais
sombria!
19. Lá festejaremos comendo mandrágora e môulo!
20. Lá o Lindo espalhará para nós Seu santo banquete. Nos bolos castanhos de trigo
provaremos a comida do mundo, e seremos fortes.
21. Na rubra e horrenda taça da morte beberemos o sangue do mundo, e ficaremos
ébrios!
22. Ohé! a canção a Iao, a canção a Iao!
23. Vem, cantemos para ti, Iaco invisível, Iaco triunfante, Iaco indizível!
24. Iaco, Oh Iaco, sê perto de nós!
25. Então a face de todo o tempo foi escurecida, e a verdadeira luz mostrou-se.
26. Houve também um certo grito numa língua ignota, cuja estridência perturbou as
águas quietas de minha alma, de forma que minha mente e meu corpo foram
curados de sua doença, auto-conhecimento.
27. Sim, um anjo perturbou as águas.
28. Este foi o grito d'Ele: IIIOOShBTh-IO-IIIIAMAMThIBIII
29. Nem cantei isto mil vezes por noite durante mil noites antes que Tu viesses, Oh
meu Deus flamejante, atravessar-me com Tua lança. Teu robe escarlate desdobrou
o céu inteiro, de forma que os Deuses disseram: Tudo queima; é o fim.
30. Também Tu puseste teus lábios na ferida e extraíste um milhão de ovos. E Tua
mão sentou-se sobre eles, e vede! estrelas e Coisas ultimais das quais as estrelas
são átomos.
31. Então eu Te percebi, Oh meu Deus, sentado como um gato branco sobre a
treliça do porto; e o zunido dos mundos regirando era apenas o Teu prazer.
32. Oh gato branco, as faíscas voam do Teu pelo! Tu crepitas estalando os mundos.
33. Eu vi mais de Ti no gato branco do que vi na Visão dos Aeons.
34. No bote de Ra viajei, mas nunca encontrei sobre o Universo visível qualquer ente
como Tu!
35. Tu foste como um cavalo branco alado, e eu Te fiz correr pela eternidade contra
o Senhor dos Deuses.
36. Pois ainda corremos!
37. Tu foste como um floco de neve caindo nos bosques de pinheiros.
38. Num instante Tu sumiste numa agridão do parecido e do diverso.
39. Mas eu vi o lindo Deus atrás de uma tempestade de neve, e Tu eras Ele!
40. Também eu li num grande Livro.
41. Sobre antigo pergaminho estava escrito em letras de ouro: Verbum fit Verbum.
42. Também Vitriol e o nome do hierofante, V.V.V.V.V.
43. Tudo isto regirava em fogo, fogo estelar, raro e longínquo e completamente
solitário, mesmo como Tu e Eu, Oh alma desolada Deus meu!
44. Sim, e a escritura, está bem. Esta é a voz que sacudiu a terra.
45. Oito vezes grito ele alto, e por oito e por oito contarei Teus favores, Oh Tu Deus
Undécuplo 418!
46. Sim, e por muitos mais, pelas dez nas vinte e duas direções; mesmo como a
perpendicular da Pirâmide, assim Teus favores serão.
47. Se eu os conto, eles são Um.
48. Excelente é Teu amor, Oh Senhor! Tu és revelado pela escuridão, e aquele que
tateia no horror dos bosques Te pegará por acaso, mesmo como uma cobra que se
apossa de uma avezinha que canta.
49. Eu Te peguei, Oh meu tordo macio; eu sou como um falcão de esmeralda-mãe;
eu Te pego por instinto, se bem que meus olhos falham de Tua glória.
50. No entanto, eles são gente tola ali. Eu os vejo sobre a areia amarela, todos
vestidos de púrpura de Tiro.
51. Eles puxam seu Deus brilhante para a terra em redes; eles preparam um fogo
para o Senhor do Fogo, e gritaram palavras profanas, mesmo a pavarosa maldição
Amri maratza, maratza, atmam deona lastadza maratza-marán!
52. Então eles cozinham o deus brilhante, e o engolem inteiro.
53. Esta é gente ruim, Oh menino lindo! passemos ao Outro Mundo.
54. Façamo-nos em uma isca agradável, assumamos uma forma sedutora!
55. Eu serei como uma esplêndida mulher nua com seios de marfim e mamilos
dourados; meu corpo inteiro será como leite das estrelas. Eu serei lustrosa e grega,
uma cortezã de Delos, a Ilha instável.
56. Tu serás como um vermezinho rubro num anzol.
57. Mas Eu e Tu pegaremos nossos peixes da mesma forma.
58. Então serás Tu um peixe brilhante de costas douradas e barriga prateada; Eu
serei como um violento homem bonito, mais forte que quarenta touros, um homem
do Oeste carregando um grande saco de jóias preciosas sobre um cajado que é
maior que o eixo do todo.
59. E o peixe será sacrificado à Ti e o homem forte crucificado a Me, e Tu e Eu nos
beijaremos, e anularemos o erro do Princípio; sim, o erro do princípio.
V
1. Oh meu lindo Deus! Eu nado em Teu coração como uma truta na torrente
montanhesca.
2. Eu pulo de pego em pego em minha alegria; eu sou belo de castanho e ouro e
prata.
3. Ora, eu sou mais lindo que os bosques ruivos de outono após a primeira nevada.
4. E a caverna de cristal do meu apartamento é mais linda que eu.
5. Um anzol apenas pode me apanhar; é uma mulher ajoelhada à margem da
corrente. Ela é que derrama o orvalho brilhante sobre si mesma e na areia, de forma
que o rio jorra.
6. Há uma ave naquele mirto ali; somente a canção daquela ave pode me atrair para
fora do pego do Teu coração, Oh meu Deus!
7. Quem é este menino de Nápoles que ri feliz? Seu amante é a pujante cratera da
Montanha de Fogo. Eu vi seus membros torrados descendo a encosta numa furtiva
língua de pedra derretida.
8. E Oh! o chío da cigarra!
9. Eu me lembro dos dias em que fui cacique em México.
10. Oh meu Deus, eras Tu então como agora meu lindo amante?
11. Foi minha adolescência agora como então Teu brinquedo, Tua alegria?
12. Em verdade, eu me lembro desses dias férreos.
13. Eu me lembro de como inundávamos os lagos amargos com nossa torrente de
ouro; como afundávamos a imagem preciosa na cratera de Citlaltepetl.
14. De como a flama boa nos levantou até às terras baixas, depositando-nos na
floresta impenetrável.
15. Sim, Tu foste uma estranha ave escarlate com um bico de ouro. Eu fui Teu
parceiro nas florestas da terra baixa; e sempre ouvíamos ao longe o canto estrídulo
de sacerdotes capados e o clamor insano do Sacrifício de Donzelas.
16. Havia um esquisito Deus alado que nos falou de sua sabedoria.
17. Nós conseguimos nos tornar brilhantes grãos de pó nas areias de um rio lento.
18. Sim, e aquele rio era também o rio de espaço e tempo.
19. Nós nos separamos ali: sempre para o menor, sempre para o maior, até que
agora, Oh doce Deus, somos nós próprios os mesmos.
20. Oh meu Deus! Tu és como um bodezinho com relâmpago nos chifres!
21. Eu Te amo, eu Te amo.
22. Todo alento, toda palavra, todo pensamento, todo ato é um gesto de amor
Contigo.
23. O batido do meu coração é o pêndulo do amor.
24. Minhas canções são os suspiros leves:
25. Meus pensamentos são vera raptura:
26. E meus atos são os milhares de Tua prole, as estrelas e os átomos.
27. Que nada seja!
28. Caiam todas as coisas neste oceano de amor!
29. Seja esta devoção um encantamento possante para exorcizar os demônios dos
Cinco!
30. Ah Deus, tudo foi! Tu consumas Tua raptura. Falútli! Falútli!
31. Há uma solenidade de silêncio. Não existe mais nenhuma voz de todo.
32. Assim será no fim. Nós que fomos pó jamais cairemos no pó.
33. Assim será
34. Então, Oh meu Deus, o hálito do Jardim de Espécias. Todas estas tem um sabor
averso.
35. O cone é cortado por um raio infinito; a curva da existência hiperbólica pula a ser.
36. Cai inimaginavelmente longe, com sua tristonha face barduda presidindo-o; some
em silêncio e dor.
39. Nós a silêncio e gozo, e a face é a risonha face de Eros.
40. Sorrindo o saudamos com os sinais secretos.
41. Ele nos conduz ao Palácio Invertido.
42. Lá está o Coração de Sangue, uma pirâmide com seu ápice projetando-se para
baixo do Erro do Princípio.
43. Enterra-me em Tua Glória, Oh amado, Oh amante principesco desta donzela
puta, dentro da mais Secreta Câmara do Palácio!
44. Isto é feito rápido; sim, o selo e aposto sobre a câmara mortuária.
45. Há um que poderá abri-la.
46. Nem por memória, nem imaginação, nem rezas, nem jejum, nem auto-tortura,
nem drogas, nem ritual, nem meditação; ele valerá só pelo amor passivo.
47. Ele esperará pela espada do Bem-Amado, e oferecerá sua garganta para o
golpe.
48. Então seu sangue pulará e me escreverá runas no céu; sim, me escreverá runas
no céu.
VI
1. Tu eras uma sacerdotisa, Oh meu Deus, entre os Druídas; e nós conhecíamos os
poderes do carvalho.
2. Nós nos fizemos um templo de pedras na forma do Universo, mesmo como tu
usavas abertamente e eu escondido.
3. Lá executávamos muitas coisas maravilhosas à meia-noite.
4. Pela lua minguante trabalhávamos
5. Por sobre a planície veio o atroz chamado de lobos.
6. Nós respondemos; nós caçámos com a alcatéia.
7. Chegámos mesmo à Capela nova e Tu levaste o Santo Graal debaixo de Tuas
vestes de Druída.
8. Secreta e furtivamente, nós bebemos do sacramento informador.
9. Então uma inquietação terrível se apossou da gente da terra cinza; e nos
regozijámos.
10. Oh meu Deus, disfarça Tua glória!
11. Vem como um ladrão, e roubemos os Sacramentos!
12. Em nossos bosques, em nossas celas claustrais, em nosso favo de dita,
bebamos, bebamos!
13. É o vinho que tinge todas as coisas com a verdadeira tintura de infalível ouro.
14. Há segredos profundos nestas canções; não basta ouvir a ave; para apreciar a
canção, ele deve ser a ave.
15. Eu sou a ave, e Tu és minha canção, Oh meu glorioso Deus galopante!
16. Tu puxas as rédeas das estrelas; tu guias as constelações sete a sete pelo circo
do Nada.
17. Tu Deus Gladiador!
18. Eu toco minha harpa, Tu lutas contra as bestas e as flamas.
19. Tu achas Tua alegria na música, e eu na luta.
20. Tu e eu somos queridos do Imperador.
21. Vê! ele nos chamou ao palanque imperial. A noite cai; é uma grande orgia de
adoração e de gozo.
22. A noite cai como um manto cintilante dos ombros de um príncipe sobre um
escravo.
23. Ele se levanta um homem livre!
24. Joga tu, Oh profeta, o manto sobre estes escravos!
25. Uma grande noite, e poucos fogos nela; mas liberdade para o escravo que sua
glória emcompassar.
26. Assim, também eu desci à grande cidade triste.
27. Lá a morta Messalina trocava sua coroa por veneno de Loucura e morte; lá
estava Calígula, e golpeava os mares de oblívio.
28. Quem foste Tu, Oh César, que percebeste Deus num corcel?
29. Pois vede! nós contemplámos o Cavalo Branco dos Saxões gravado sobre a
terra; e contemplámos os Cavalos do mar que flamejam em volta da velha terra
cinza, e a espuma das narinas deles nos ilumina!
30. Ah! mas eu te amo, Deus!
31. Tu és como uma lua sobre o mundo de gelo.
32. Tu és como a aurora das mais longuínquas neves sobre as planícies secas da
terra do tigre.
33. Pelo silêncio e pela fala eu Te adoro.
34. Mas é tudo em vão.
35. Só Teu silêncio e Tua fala que me adoram valem.
36. Chorai, Oh gente da terra cinza, pois nos bebemos o nosso vinho, e vos
deixámos somente as fezes.
37. No entanto, destas vos distilaremos um licor além do néctar dos Deuses.
38. Há valor em nossa tintura em mundo de Espécia e ouro.
39. Pois nosso pó de projeção vermelho está além de todas as possibilidades.
40. Há poucos homens; há bastantes.
41. Estaremos cheios de escançãos, e o vinho não é racionado.
42. Oh querido meu Deus! que festim que Tu proveste.
43. Vede as luzes e as flores e as donzelas!
44. Provai dos vinhos e dos bolos e das carnes esplêndidas!
45. Aspirai os perfumes e as nuvens de deusinhos como ninfas do bosque que
habitam as narinas!
46. Senti com vosso corpo inteiro a maciez do mármore fresco e o calor generoso do
sol e dos escravos!
47. Que o Invisível informe a Luz devoradora toda com seu vigor destrutivo!
48. Sim! o mundo inteiro é rachado em dois, como uma velha árvore cinza sob o
raio!
49. Vinde, Oh deuses, e festejemos.
50. Tu, Oh meu querido, Oh meu incessante Deus-Pardal, meu deleite, meu desejo,
meu enganador, vem Tu e chilra à minha mão direita!
51. Este foi o conto da memória de Al A'in o sacerdote; sim, de Al A'in o sacerdote.
VII
1. Pela combustão do incenso foi a Palavra revelada, e pela droga distante.
2. Oh farinha e mel e óleo! Oh linda bandeira da lua, que ela pendura no centro de
felicidade!
3. Estes afrouxem as ligaduras do cadáver; estes desatem os pés de Osiris, para
que o Deus flamejante possa raivar pelo firmamento com sua lança fantástica.
4. Mas de puro mármore negro e a estátua triste, e a imutável dor dos olhos é
amarga para os cegos.
5. Nós compreendemos a raptura daquele mármore sacudido, rompido pelos
movimentos da criança coroada, a vara do áureo Deus
6. Nós sabemos porque tudo está oculto na pedra, dentro do ataúde, do grande
sepulcro, e nós também responderemos Olalám! Imál! Tutúlu! como está escrito no
livro antigo.
7. Três palavras daquele livro são como vida para um novo aeon; nenhum deus leu
tudo
8. Mas Tu e EU, Oh Deus, o escreveremos página por página.
9. Nossa é a undécupla leitura da palavra Undécupla.
10. Estas sete letras juntas fazem sete palavras diversas; cada palavra é divina, e
sete sentenças ali estão ocultas.
11. Tu és a Palavra, Oh meu querido, meu senhor, meu mestre!
12. Oh vem a mim, mistura o fogo e a água, tudo se dissolverá.
13. Eu Te espero dormindo, acordado. Eu não Te invoco mais; pois Tu estás em
mim, Oh Tu que me fizeste num lindo instrumento atunado à tua raptura.
14. No entanto é Tu sempre àparte, mesmo como Eu.
15. Eu me lembro de um certo dia santa no ocaso do ano, no ocaso do Equinócio de
Osiris, quando primeiro eu Te contemplei visível; quando primeiro a pavorosa lida foi
encetada; quando Ele de cabeça de Ibis fez parar com seu feitiço.
16. Eu me lembro do Teu primeiro beijo, mesmo como deve uma donzela. Nem nos
atalhos escuros houve outro; Teus beijos perduram.
17. Não existe outro além de Ti no Universo inteiro do Amor.
18. Meu Deus, eu Te amo, Oh Tu bode de chifres dourados!
19. Tu lindo touro de Ápis! Tu linda serpente de Apep! Tu linda criança da Deusa
Grávida!
20. Tu Te moveste em Teu sono, Oh antigo sofrimento dos anos! Tu levantaste Tua
cabeça para golpear, e tudo é dissolvido no Abismo de Glória.
21. Um fim para as letras das palavras! Um fim para o sétuplo discurso.
22. Resolve-me a maravilha disso tudo na figura de um ossudo camelo célere
atravessando a areia.
23. Solitário é ele, e abominável; no entanto ganhou a coroa.
24. Oh alegrai-vos! alegrai-vos!
25. Meu Deus! Oh meu Deus! Eu sou apenas um grão de pó das estrelas das
idades; eu sou o Mestre do Segredo das Coisas.
26. Eu sou o Revelador e o Preparador. Minha é a Espada, e a Mitra e a Baquêta
Alada!
27. Eu sou o Iniciador e o Destruidor. Meu é o Globo, e a Ave Bennu e o Loto de Isis
minha filha!
28. Eu sou Aquele além de todos estes, e porto os símbolos da escuridão pujante.
29. Haverá um sinal como de um vasto, negro, ameaçador oceano de morte, e o
brazeiro central de escuridão radiando sua luz sobre tudo.
30. Engolirá aquela escuridão menor.
31. Mas naquele profundo, quem responderá: O que é?
32. Não Eu.
33. Não Tu, Oh Deus!
34. Vem, não raciocinemos juntos mais; gozemos! Sejamos nós mesmos,
silenciosos, únicos, àparte.
35. Oh bosques solitários do mundo! Em que recessos escondereis nosso amor?
36. A floresta de lanças do Altíssimo é chamada Noite, e Hades, e o Dia de Cólera;
mas eu sou Seu capitão, e porto Sua taça.
37. Não me temais com meus lanceiros! Eles matarão os demônios, com suas
forquilhas mesquinhas. Vós sereis livres.
38. Ah, escravos! vós não quereis, vós não sabeis como querer.
39. No entanto a música das minhas lanças será uma canção de liberdade.
40. Uma grande ave descerá do Abismo de Alegria, e vos arrebeterás para serdes
meus escançãos.
41. Vem, Oh meu Deus, em uma última raptura atinjamos à União com os Muitos!
42. No silêncio das Coisas, na Noite das Forças, além do amaldiçoado domínio das
Três, gozemos nosso amor!
43. Meu querido! Meu querido! para longe, para longe, além da Assembléia e da Lei
e da Iluminação para uma Anarquia de Solitude e Escuridão!
44. Pois assim mesmo devemos velar o brilho de nosso Ser.
45. Meu querido! Meu querido!
46. Oh meu Deus, mas o amor em Me rebenta sobre os laços de Espaço e Tempo;
meu amor é derramado entre aqueles que não amam o amor.
47. Meu vinha é servido àqueles que nunca provaram vinho.
48. Os fumos dele os intoxicarão, e o vigor do meu amor engendrará bebes pujantes
de suas virgens.
49. Sim! sem bebida, sem abraço: e a Voz respondeu Sim! estas coisas serão.
50. Então busquei uma Palavra para Mim Mesmo; não, para mim mesmo.
51. E a Palavra veio: Oh Tu! está bem. Nada atendas! Eu Te amo! Eu Te amo!
52. Portanto tive fé até o fim de tudo; sim, até o fim de tudo.
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